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O olhar daquela mãe


Eram passados cerca de 45 segundos, quase metade do primeiro round, eu tinha um ollhar sério e que foi quebrado. As pupilas dilatadas não são simplesmente o único sentimento de pavor de um ser humano. Um pouco antes, digamos duas horas, estava conversando com meus colegas de academia em meio a um aglomerado de lutadores amadores, entre eles, nós mesmos. Eu era apenas mais um, vontade, força, adrenalina, uma bomba relógio. Treinos de cerca de três horas diárias, sete dias por semana, juventude a flor da pele. Eramos estúpidamente imortais. Os jovens. Foi quando ele se aproximou de mim e perguntou:

- Você luta em que categoria?

- Até 58 kg. – Respondi rapidamente.

Foi quando ele entendeu que estavamos na mesma chave dentro daquele torneio em Ivoti, interior do Rio Grande do Sul. Paulo, assim ele se chamava, tinha levado sua família para vê-lo lutar. Eram todos dali, da casa, como se diz. Nunca convidei meus pais para me verem lutar, talvez pelo medo deles me verem mal, ou perder, simplesmente. Pensava sempre em um fundo diferente, talvez trágico. Tinha medo que se algo acontecesse, eles pudessem presenciar. Algo aconteceria aquele dia. Quando os auto-falantes chamam cada lutador, é anunciado nessa ordem, a cor do protetor usado na luta (azul ou vermelho), o nome do lutador e a respectiva academia, seguido pela cidade. Foi quando descobri que Paulo era meu adversário naquela luta de quartas de final em Ivoti. Ao entrar no Dojan (comumente comnhecido como tatame) com pés descalços em um olhar maldoso, vi presente nos olhos de Paulo um medo incomum. Não era o medo de perder. Era o medo do que sua família veria. Era um medo que eu teria, mas naquele dia não tinha. Na verdade, dentro de 3 rounds de 2 minutos cada, se existe algo que não pode estar presente, é o medo. Cada gota de suor de três horas diárias de treino não poderiam ser em vão. Eu queria vencer, queria acabar logo. Assim o fiz. Com uma sequencia de chutes de contra-ataque e o chute final no rosto, que fez um corte na boca de Paulo eu o vi cair em meio a muitas testemunhas. Era apenas um esporte, sim ou não? Após a abertura da contagem, dei três passos para trás, olhei para meu técnico que me fez um sutil sinal de aprovação e comprimento. Girei novamente de frente para meu adversário como um gesto de respeito, me ajoelhei como mandam as regras do Taekwondo (que infelizmente ninguém no Brasil segue), conferi se minha faixa estava bem arrumada. Esperei. Fechei os olhos com uma sensação de dever comprido, e quando abri, vi o olhar daquela mãe com as pupilas dilatadas e o coração na boca. Se existe um sentimento que não podia compreender, era aquele. Não só pelo fato de ainda não ser pai, mas porque algumas coisas só se compreende passando. Essa era uma, vi o pavor naquele olhar, não saber se seu filho iria levantar. Ao seu lado, o resto de sua família. E eu sentado ali, praticamente ileso. Um pouco cansado, nada mais. Será que era justo? Pensei que talvez o velho ditado que diz: “Quem esta na chuva é pra se molhar”, se encaixasse perfeitamente como desculpa para a situação. Pensei também se Paulo se recuperaria, ele não estava levantando. A contagem em Coreano dos 10 segundos terminou e o vencedor era conhecido. O que eu havia vencido, uma luta ou um medo? Estava eu no lugar certo? Meu coração não podia ser tão frio assim, ou podia? Por muito tempo sonhei com o olhar daquela mãe.

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