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São as pessoas


Já perdi a conta de quantas vezes tentei achar uma explicação para um ou mais momentos ruins no meu país. Não foram poucas as vezes que me peguei pensando alto: “O Brasil não tem jeito!”. Passei anos e anos da minha vida me excluindo de maneira proposital da maioria das discussões politicas e tentando as observar e montar minhas próprias ideias e teorias a cerca de cada caso que decorre aqui em terras tupiniquins. Pensando, analisando, pensando de novo, fazendo contas, pensando mais um pouco, etc. Eu cravo, o Brasil tem jeito, quem não tem é o brasileiro. Ou melhor, esse brasileiro que está por ai, solto e espalhando o jeitinho brasileiro em cada canto compreendido do Oiapoque ao Chui. Em 1994 eu estava na escola primária e nunca esquecerei de um professor de história repetindo inúmeras vezes que a solução para o nosso país era a combinação de duas coisas: Educação e Reforma agrária! Reparem que as mesmas não se dão do dia para noite ou na mesma velocidade com que seu smartfone organiza seu dia aqui em 2018. Repare que não vivemos na mesma velocidade de 1994 e que bom também que nos livramos dos tempos de URV e outras coisas mais. O brasileiro, em geral, não tem mais capacidade para entender que algumas coisas nesse novo mundo de imediatismo ainda precisam de tempo. Educação, por exemplo, é uma delas. Se eu pudesse gritar aos quatro ventos qualquer coisa que remetesse a um futuro melhor, eu diria: “Salvem as nossas crianças”. Elas precisam urgente de educação. E por favor, não confundam com instrução, isso me deixa louco. Salvem nossas crianças do maldito jeitinho brasileiro e ensinem para elas que esse imediatismo prejudica tanto e quase na mesma velocidade dos smartfones que elas mesmo infelizmente já ostentam. Esses mesmos smartfones que usam para escrever errado desde sempre e que hoje as fazem não conseguir completar uma redação na escola ou em um concurso vestibular com um mínimo de decência. Outro dia, aqui mesmo em 2018, o maior telejornal do país noticiou a implementação em algumas escolas públicas de uma nova cartilha escrita em um português que é muito pior do que o coloquial (inclusive chamá-lo assim seria um elogio). Com o uso de “pq” no lugar de “porquê” ou o uso de “kbça” ao invés de “cabeça” e pasmem, foi feitas por “professores”, ou melhor “profs”. Viu só? Salvem as crianças, eu suplico, pois os adultos não tem mais jeito! Montada na desculpa da inclusão social, esse cartilha foi aprovada sabe-se lá por quem e hoje alguém a lê tomando-a como correta. Uma mudança drástica na educação vai salvar as futuras gerações desse país, eu tenho certeza. Porém, infelizmente, nenhum politico quer pagar para ver, na verdade, esse é um verbo pouco conjugado pelos engravatados que governam esse país, já seu antônimo não. Moldamos tudo aqui no Brasil para que o ignorante entenda, ao invés de manter a maneira correta de tudo e fazer esse mesmo ignorante adaptar-se ao correto. Fazia um tempo que eu vinha me perguntando, como apreciador de futebol, porque os marcadores de tempo nas partidas esportivas televisionadas aqui em solo nacional, marcavam os dois tempos de 1 a 45 minutos e não um único contador de 1 a 90 minutos, como é feito na Europa. Eu fui atrás dessa informação e descobri que há alguns anos, após inúmeras pesquisas feitas por agências especializadas, canais perdiam a audiência por mostrar “72:32” ao invés de “27:32 do 2º tempo” e as queixas eram direcionadas a incompreensão da população nacional em ter que fazer a conta para descobrir quantos minutos faltavam ou quantos minutos já tinham decorridos daquele tempo. É assustador. Assim como a unidade de medida do brasileiro, o “CF”, isso mesmo, “campos de futebol”. Liguei a televisão em uma segunda-feira a noite naquele mesmo famoso telejornal no exato momento que era noticiado um incêndio em uma fábrica de São Paulo, e a fala do apresentador foi a seguinte: “… Estima-se que a fumaça espalhada pelas chamas é equivalente a 10 campos de futebol”. Lembrem-se, não podemos deixar nosso ignorante sem entender o que está acontecendo. Salvem as nossas crianças, eu suplico novamente. Como se tudo isso não bastasse, a pior das sensações é quando você não só presencia, mas também vira alvo do jeitinho brasileiro. Na última quarta-feira fui até um dos tantos centros de formação de condutores (CFC) de Porto Alegre. É comum no nosso mundo moderno a preferência pelo o atendimento por ordem de chegada. Esses atendimentos são “organizados” por alguma ferramenta que numera a chegada do público de alguma maneira, ou eletrônica, ou até comumente com fichas de papel. Fui ao local apenas para pegar um documento que segundo uma informação prévia já estava lá. Portanto, sabia que era rápido e eu particularmente não tinha pressa. Retirei uma ficha numérica e olhei para meu número, o “18”. Após minha chegada, continuaram adentrando pessoas no mesmo CFC, às quais não pude deixar de observar. Dentre elas uma mulher que aparentava ter uns 22 anos, que assim como eu, chegou e pegou sua ficha e sentou ao meu lado para aguardar, a dela “21”. Passados alguns minutos de espera sem sermos chamados, uma das pessoas do local decide desistir do atendimento e acaba assim, não usando sua ficha de papel, a “15”, devolvendo a mesmo em cima do bolo com as demais que estavam em ordem crescente. Prontamente a mulher ao meu lado levanta e vai até o bolo, substitui sua ficha “21”, pega a “15” e ignora a existência das cerca de 20 pessoas presentes no local em prol do seu benefício. Eu digo todas e não só as 5 que chegaram antes dela, dentre elas eu, pois ela nem mesmo sabia quem eram. Parece pouco, eu sei, mas ela não só acabou com o sistema de contagem, como também não se importou com uma ordem que ali existia previamente. Pensei em sugerir que da próxima vez ela fosse direto a mesa de atendimento, já que quem está ali esperando não faz a menor diferença para ela, mas acabei me contendo. Como ela estava ao meu lado, apenas com uma cadeira vazia de diferença, peguei minha ficha de número “18” e coloquei na cadeira vazia ao lado dela, de modo lento e quase que didático virei com o dedo indicador o número para que ela, para que talvez em um lapso de atenção e bom senso, lê-se o meu número e lembra-se, assim quem sabe, da existência das demais pessoas ali. Meu método falhou. Decidi partir para a próxima tentativa educada. Virei totalmente meu rosto para o lado esquerdo, o lado dela, e não contive um sorriso irônico. Também ignorado, talvez porque o foco dela fosse ser atendida o quanto antes, independente do resto do mundo, parti para uma outra tentativa. Foi então que iniciei o diálogo dizendo:

- Oi.

- Oi – disse ela.

- Dia bonito, não é?

- Sim.

- Você está com pressa para aproveitá-lo, não é?

- Como?

- Sim, você ignorou as pessoas das fichas 16 à 20, deve estar com pressa.

Ela fechou a cara em uma expressão de raiva, jogou a ficha no chão e foi embora. Acho que eu aprendi que o jeitinho brasileiro não gosta de ser desmascarado ou de sofrer algum tipo de revés. Pensei, sinceramente, que ela estava com pressa e precisava ser atendida o quanto antes, mas acho que me enganei. Na verdade, nunca foi uma questão de necessidade. Foi cultural, foi arquitetado para tirar vantagem nas mínimas coisas. Azar do próximo, afinal quem é ele mesmo? A grande maioria dos brasileiros não se importa com os outros. Para eles, não faz a menor diferença. Imagine por exemplo o melhor sistema do mundo em termos de organização, seja lá para o que for. Agora teste-o com esse tipo de pessoa. Vai falhar. A minha querida colega de espera não só não admitiu o erro como também não demonstrou interesse em consertá-lo. Custa muito isso para elas, uma vez que não é rápido nem fácil como seus aplicativos escravos do smartfone. Esse indiferença com o próximo está impregnada na maioria da nossa população e infelizmente não tem volta. Só as nossas crianças podem nos salvar. Não é o Brasil gente, são as pessoas nele.

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